Sobre a Hermenêutica

Hermenêutica é um ramo da filosofia que se debate com a compreensão humana e a interpretação de textos escritos. A palavra deriva do nome do deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuíam a origem da linguagem e da escrita e considerado o patrono da comunicação e do entendimento humano.

O alvo da boa interpretação é simples: chegar ao "sentido claro do texto." É o ingrediente mais importante que a pessoa traz a essa tarefa é o bom-senso aguçado. O teste de uma boa interpretação é se expõe o sentido do texto. A interpretação correta, portanto, traz alívio à mente bem como uma aguilhoada ou cutucada no coração.

Mas, se o significado claro é aquilo sobre o que a interpretação diz respeito, então para que interpretar? Por que não ler, simplesmente? O significado simples não vem pela mera leitura? Em certo sentido, sim. Mas num sentido mais verídico, semelhante argumento é tanto ingênuo quanto irrealista por causa de dois fatores: a natureza do leitor e a natureza da Escritura. [1]

Seu significado tradicional é relativamente simples: é a disciplina que lida com os princípios de interpretação. Alguns escritores gostam de chamá-la de ciência da interpretação; outros preferem falar de arte da interpretação (talvez com a implicação: "Ou você a tem ou não!"). Deixando de lado essas diferenças de perspectiva, o interesse básico da hermenêutica é claro o suficiente. Deve ser acrescentado, entretanto, que quando os escritores usam o termo, na maioria das vezes o que eles têm em mente é a interpretação bíblica. Mesmo quando é outro texto que está sendo discutido, a Bíblia provavelmente assoma por trás.
Uma resposta possível que pode ocorrer é que a Bíblia é um livro divino, e assim exige de nós algum treinamento especial para entendê-la. Mas esta solução simplesmente não satisfaz. Como expressou um estudioso católico romano, "Se alguém é capaz de falar de maneira absolutamente clara e tornar-se compreensível com eficácia irresistível, esse tal é Deus; portanto, se há alguma palavra que poderia não exigir uma hermenêutica, essa seria a palavra divina".[2] Os protestantes, por essa razão, têm sempre enfatizado a doutrina da perspicuidade ou clareza das Escrituras. A Bíblia em si nos diz que o pré-requisito essencial para entender as coisas de Deus é ter o Espírito de Deus (1Co 2.11), e que o cristão, tendo recebido a unção do Espírito, não precisa nem mesmo de um professor (1Jo 2.27).

O que ocorre, na realidade, é que precisamos da hermenêutica não exatamente pelo fato de a Bíblia ser um livro divino, mas porque, além de ser divino, é um livro humano. Estranho como possa soar aos ouvidos, esta maneira de olhar nosso problema pode nos colocar no caminho correto. A linguagem humana, por sua própria natureza, é grandemente equívoca, isto é, capaz de ser compreendida em mais de uma forma. Não fosse assim, nunca duvidaríamos do que as pessoas querem dizer quando falam; se proposições pudessem significar somente uma coisa, dificilmente ouviríamos debates sobre se Johnny disse isso ou aquilo. Na prática, é claro, o número de palavras ou sentenças que geram mal-entendidos constitui uma proporção muito pequena do total de proposições emitidas por um determinado indivíduo em um determinado dia. O que precisamos reconhecer, porém, é que o potencial para uma má interpretação está sempre presente.[3]

Antes de entrarmos nas três meditações, precisamos compreender que há três grupos de pessoas nas Escrituras: Os judeus, os gentios e a igreja. A Palavra de Deus nos diz: “Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem tampouco para a igreja de Deus”(1Co.10.32). Não podemos confundir declarações feitas por Deus para estes grupos de pessoas. Cada uma possui um tratamento, uma herança e uma vida religiosa diferente. Não porque Deus fez acepções de grupos, mas foram estes grupos que se comportam, por livre escolha, assim. Por exemplo: O judeu tem promessas de Deus para herdar a terra(Is.60.21), o gentio para o inferno(Mt.25.41) e a igreja para herdar o céu(Fl.3.20).

Há três meditações que sobressaem as declarações feitas por Deus dirigidas a qualquer um destes grupos. Não importa se Deus está falando a judeus, gentios ou a igreja. Podem ser aplicados ao nosso cotidiano e a nossas vidas sem nenhum problema. A parte difícil de se ver aqui, é saber encontrar estas “meditações”. Eles estão em toda parte da Bíblia. Inseridos em uma cultura, em perspectivas de vida diferentes, em uma história, profecia, epístola, ou poema da Bíblia. Traze-los até nós não é a parte mais difícil e sim identificá-los.[4]

A Bíblia é a melhor intérprete de si mesma. Isso é uma verdade universalmente aceita. Apesar disto, não poucos leitores da Bíblia estão sempre prontos a desprezá-la no momento de interpretá-la (1Co.2.13).
O completo desprezo às regras de interpretação das Escrituras (principalmente esta), é que se descobre que os principais inimigos da Bíblia não são os seus opositores que, em épocas de cruentas perseguições, rasgaram-na e queimaram-na, mas sim um grande número de expositores, sempre prontos a achar na Bíblia o apoio para as suas idéias mais absurdas. Daí surgiu o amontoado de heresias e seitas falsas hoje conhecidas.
As palavras de Deus interpretadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus, mas interpretadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Diabo.
Portanto, quando você estudar a Bíblia, deixe-a livre para falar por si mesma. Não lhe acrescente e não lhe subtraia nada.[5]


[1] Gordon D. Fee e Douglas Stuart, "Entendes o que Lês?"
[2] Luiz Alonso-Schökel, Hermenéutica de la Palavra (Madrid: Cristandad, 1986), 1:83
[3] Walter C. Kaiser, Jr. e Moisés Silva, "Introdução à Hermenêutica Bíblica"
[4] Daniel de Albuquerque, "As três meditações básicas"
[5] Apostila “Como Estudar e Interpretar a Bíblia” - Pastor Raimundo de Oliveira